"a solidão da mulher negra..." É UMA PAUTA QUE PRECISA SER SUPERADA LOGO
Lívia Teodoro
outubro 29, 2019
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"A pauta da solidão da mulher negra precisa ser superada. Acho que já chegou a hora de unificar os movimentos..."
Imagem de TréVoy Kelly por Pixabay |
O curioso caso das pautas menos importantes, que devem ser sublimadas e superadas. E que coincidentemente afetam diretamente as mulheres pretas.
Esta não é a única pauta negra e feminina que é silenciada, mas cabe aqui pensar o quanto são tratadas como conversas de boteco – e estas também têm lá sua importância – as pautas da militância negra feminina. A nossa estética enquanto ato político, as nossas relações afetivas, os nossos corpos e vontades... Tudo ficando abaixo de uma lógica patriarcal e machista que considera menos importante pautas que para nós também são importantes.
Como já discutimos aqui, num dos posts mais lidos deste blog, A SOLIDÃO DA MULHER NEGRA NÃO É SÓ AFETIVA, no entanto existe também uma discussão fundamentada sobre esta solidão da mulher negra e sempre cito a dissertação da Claudete Alves da Silva, abrindo os caminhos (até onde sei) em 2008 na PUC SP. Esta discussão que tem sido cada dia mais aprofundada por mulheres negras é nossa episteme, é nossa produção intelectual sobre as mazelas que nos afetam. Acaso alguém pede para que deixemos de discutir as teorias de Michel Foucault sobre o corpo e a relação da sociedade com a punição, violência? Alguém tem dúvidas de que é preciso discutir e entender a necropolítica como uma política de estado existente? Não, absolutamente. Mas, aquilo que nos é caro pode ficar para depois?
"A mulher Negra precisa entender que ela pode ser feliz sem homem..."
Essa frase tem tantos problemas que é difícil saber de onde começar, mas, vamos lá, discutir ponto por ponto até que fique perceptível que a solidão da mulher negra não é falta de pau ou de homem!
A começar pelo problema da heteronormatividade desta ideia de que a mulher que reclama de solidão está necessariamente reclamando da falta de um parceiro do sexo masculino. Em primeiro lugar porque mulheres são diversas, inclusive nas suas condições sexuais e – graças a Deusa – muitas destas mulheres também amam outras mulheres. Tratar sobre a solidão da mulher negra não é sobre um discurso cristão culpabilizador de uma figura, neste caso o homem negro, da nossa solidão. Não mesmo, está bem longe disso.
Outro ponto levantado é que "não existe uma solidão específica da mulher negra, solidão é solidão". Esta é uma frase rasa e muito fácil de ser explicada, afinal, as mulheres não são todas iguais, nem mesmo as mulheres negras são todas iguais e juntar tudo no mesmo saco é invisibilizar pontos importantes para várias destas mulheres. Mulheres negras não são garrafas de coca cola e a gente precisa parar pensar que são. As várias vertentes do feminismo, para aquelas que são feministas, ou os vários outros grupos que unem mulheres em torno de causas são diversos e são várias pautas discutidas sempre, nossa solidão tem nome e sobrenome porque aprendemos depois de muita luta dar nome e voz aos nossos sentimentos.
Mulheres negras estão abandonadas pelo Estado, dizer isso é dizer que nós somos as que mais morremos por violência obstétrica, por exemplo. Maria do Carmo Leal, que coordenou a pesquisa Nascer Nas Prisões, em entrevista ao site do Instituto Fio Cruz fala do racismo explicito no sistema de saúde que leva a ter entre as mulheres negras o maior número de vítimas de violência obstétrica.
“Falta de insumos, medicamentos, profissionais desestimulados com a falta de condições mínimas para trabalhar, aliado ao aumento da pobreza das classes populares, todos juntos podem contribuir para o atraso (por falta de dinheiro) na chegada à maternidade e, uma vez dentro dos serviços de saúde pode se defrontar com dificuldades ou insuficiências para dar a resposta adequada. A Mortalidade Materna é maior em mulheres negras, as mais vulneráveis socialmente e essa é outra coisa inadmissível, que tenhamos discriminação expressa nos nossos indicadores de saúde. É triste estarmos assistindo o aumento da mortalidade materna, infantil, de queda nas coberturas de imunização e epidemias. Não podemos aceitar que depois de tantas conquistas, estejamos caminhando para trás” (leia a entrevista completa AQUI)
Isto é mais da solidão que falo aqui, a solidão que extrapola o campo afetivo, a solidão que mata. Mulheres negras tem sua saúde mental violentada constantemente, o racismo está aí – para homens e mulheres, é bem verdade – acompanhado do machismo para nos tirar do eixo diariamente. Lélia Gonzalez fala rapidamente em seu capítulo do livro "Lugar de Negro" sobre esta dificuldade daquela parcela masculina da militância de aceitar as mulheres, tão resolutivas quanto eles, discutindo sobre a sua solidão dentro do MNU.
O que estamos debatendo enquanto coletivo é tudo pertinente. Se para Lélia Gonzalez toda pessoa negra deveria ser um centro de luta, porque respeitamos as pautas de uns centros e outros não? Quais os fatores fazem com que as pautas de mulheres negras sejam tão relativizadas pelos seus pares? Se estendermos isto para as mulheres negras que fazem parte da comunidade LBT o cenário piora, são vária opressões que se cruzam no gênero, raça e na orientação sexual destas mulheres.
Continuaremos discutindo e esmiuçando o assunto, primeiro porque teorias importantes estão sendo formuladas nestes campos e não se apaga a produção intelectual de mulheres pretas só porque alguém se cansou da pauta. E segundo, não menos importante, tudo que existe só existe porque tem um nome. Logo, marcar o local da mulher negra nesta discussão é importante para que, depois de visibilizada, a pauta continue gerando os incômodos necessários que levam a discussão do tema.
Continuaremos discutindo e esmiuçando o assunto, primeiro porque teorias importantes estão sendo formuladas nestes campos e não se apaga a produção intelectual de mulheres pretas só porque alguém se cansou da pauta. E segundo, não menos importante, tudo que existe só existe porque tem um nome. Logo, marcar o local da mulher negra nesta discussão é importante para que, depois de visibilizada, a pauta continue gerando os incômodos necessários que levam a discussão do tema.