segunda-feira, 28 de setembro de 2015

TRANSIÇÃO CAPILAR VAI MUITO ALÉM DE CABELO!


Oi gente, tudo bem com vocês?
O assunto de hoje é transição e para ser mais específica a minha própria transição! No meu post sobre ‘crescimento capilar’ eu contei bem por alto sobre este período, mas passeando pelos grupos de transição no Facebook eu sinto muita necessidade de que este assunto também seja abordado do ângulo político! Transição não é só deixar de alisar o cabelo porque se fosse algo simples nós faríamos isto logo e sozinhas, mas é algo complexo bem complexo!
Nos anos que procederam à abolição da escravatura foi vista uma “moda” surgir entre as mulheres pretas O ALISAMENTO CAPILAR, no começo eram pastas (cremes alisantes) a base até de algo parecido com o que conhecemos hoje como soda caustica, depois o pente quente. A pasta virou “creme relaxante” e o pente quente virou chapinha e a “moda” não passou!
O padrão de beleza imposto na sociedade brasileira era e continua sendo o padrão eurocêntrico, com cabelos lisos, quadris finos, “traços finos” (entre aspas porque acho esta expressão ridícula), enfim tudo que remeta a branquitude que é colocada com a máxima de beleza (e não é). Entrar em transição e assumir um cabelo crespo (e neste texto eu não estou falando de assumir cachinhos dourados do filme ok?) é um ato político, um afrontamento a todos estes padrões além do que, o que a sociedade tolera são os cachos, não os crespos!

A HISTÓRIA PESSOAL

A minha primeira transformação química nos cabelos foi aos dez anos de idade. A minha mãe fazia relaxamento e logo que eu tomei uma idade “aceitável” tive os cabelos relaxados. Para ela era muito difícil, trabalhoso cuidar, muito cabelo, era complicado de pentear porque eu chorava e reclamava muito afinal dói a beça pentear cabelo crespo seco ou quase seco, então relaxei e aquele cabelo que “nem pente entrava” ficou mais “baixinho” e comportado. Já dava para eu me virar sozinha às vezes e aquilo era um milagre, porque eu realmente tenho muito cabelo (já tinha naquela época) e era muito difícil arrumar todos os dias antes da escola.
Aos 12 anos eu já fazia relaxamento todo mês e minha maior felicidade era quando escovava o cabelo, sentir ele balançando ao vento era incrível quase como as princesas dos filmes que eram todas de cabelo liso (inclusive as negras). Com 15 anos eu decidi que o relaxamento de guanidina já não era o suficiente, ainda ficava volumoso e eu podia até ter cabelo crespo, mas para o alto não. Não mesmo! Saí da guanidina para o hidróxido de sódio e a primeira aplicação ficou LINDO (lindo mesmo), eu tenho o cabelo tipo 4a, b, c e ele ficou algo parecido com um cabelo 3b. Isto só na primeira semana pois como toda química não dá um efeito natural de verdade, com o hidróxido de sódio não deveria ser diferente. Quando a raiz começava a inchar lá corria eu para aplicar SOZINHA mais um pouco de hidróxido na raiz e o que aconteceu? QUE-BROU! Não era difícil de imaginar que eu ficaria careca usando este alisamento fortíssimo, sozinha e num prazo pequeno, depois disso meu cabelo nunca mais prestou para NADA! Fui então para a progressiva porque pelo menos ficaria liso. Não, não ficava liso! Todos os cabeleireiros sempre me juravam que com o produto deles eu não precisaria escovar e pranchar somente “bater o secador” como dizem aqui! Às vezes eu fico achando que era bater mesmo o secador na cabeça (risos) porque nunca dava certo! Progressiva em cima de progressiva e isso seguiu por 7 anos. Em 2011 eu fiquei grávida e mesmo grávida eu não consegui ficar sem relaxar, fiz uma vez durante a gravidez para “me sentir mais bonita” (você me deve isto, sociedade racista e preconceituosa nojenta) apesar de não ser aconselhado por nenhum médico. Amamentando fiz de novo, sob a mesma justificativa ainda não sendo recomendado. Lembro que em meados de 2013 eu tive a vaga sensação de que poderia parar de alisar e cuidar dos meus “cachos” e a cabeleireira foi taxativa em me aconselhar: “cachos? Que cachos minha filha? Esse cabelo duro não faz cachos, tem que alisar isso aí” seguido de risadinhas para soar como brincadeira. Eu fiquei me sentindo um lixo naquele dia, mas sorri porque eu também acreditava que meu cabelo era duro e a única coisa que daria conserto nele seria a santa progressiva dela!

O EMPURRÃOZINHO QUE FALTAVA

Em dezembro de 2014 eu conheci uma garota que havia acabado de desistir da transição e foi ela (por incrível que pareça) que me apresentou ao mundo do cabelo natural! Me mostrou vídeos, tutoriais, me ensinou a fazer fitagem e me apresentou uma vloger famosa que de empoderada não tem nada, mas arrasa nas dicas para os cabelos cacheados! A blogueira em questão usa química então eu pensei que poderia usar algo levinho ou um permanente afro para ter os tão sonhados “cachos da moda”. Quando eu entrei em transição eu não sabia ainda a real dimensão daquilo que estava me arriscando a fazer, durante toda a vida mudei de cabelo na hora que quis (e como a sociedade impunha) e na minha cabeça aquilo seria só mais uma mudança talvez radical, mas não que mudasse tanto a minha vida de alguma forma. Depois de conhecer a vlogueira famosa, eu fui procurar no Facebook alguma luz, ou talvez uma ou duas meninas que estivessem passando por aquele mesmo momento para me aconselhar. Foi neste momento que encontrei o grupo (famoso) Cacheadas em transição que nessa época não tinha mais de 10.000 meninas eu acho (o que é pouco em vista das mais de 100.000 que tem hoje) e descobri que isto era uma realidade, tinha muita gente quebrando os padrões!


RECONHECIMENTO

No grupo das cacheadas havia muitas meninas empoderadas e que naquela época tinham muito mais voz, eu li e vi muitas discussões bacanas de negras realmente conscientes de que deixar de alisar o cabelo é muito mais que estética, é confrontar todos os padrões que mencionei no começo deste texto é dizer para a sociedade “EI, FODA-SE” e para mim, foi o momento de decidir que eu não queria a moda dos cachos, eu queria a liberdade dos meus cabelos. Era preciso fazer uma análise de dentro, buscar lá nas memórias tudo que eu havia absorvido e encarado como depreciativo na minha estética. E não vou falar que foi fácil porque não foi, a sensação de cair na real neste assunto é assustadora! Você acaba percebendo e lembrando de diversas situações em que você foi confrontada com o racismo e não havia percebido, este choque de realidade é assustador! Por isso eu sempre digo para as pessoas que pensam em algum momento entrar em transição “preparem o psicológico porque a parada é pesada e dolorida”.




TRANSIÇÃO INTERNA, POR ONDE COMEÇAR?

Transicionar não foi só por fora no meu caso, digo sempre que o black só nasceu na cabeça depois que a ideia foi bem plantada no coração. É preciso desconstruir muitas coisas antes de enfrentar este processo ou você corre o risco de desistir no meio do caminho ou pior, passar por todo o processo e depois de tudo pronto “desistir” e alisar! Primeiro de tudo você precisa sentar e pensar quando é que eu comecei a odiar o que eu vejo no espelho? Quando é que eu comecei a achar feio o meu cabelo? O que eu ouvia que me fez achar que precisava me adequar a um padrão para ser aceita? Todas estas perguntas precisam ser respondidas a você mesma porque só assim você vai saber contra quais monstros internos terá que lutar! Acredite, as piadinhas voltam, as risadinhas voltam, o racismo vai tirar a máscara e gritar bem feio na sua cara. Se você não souber o que está enfrentando não saberá como lutar! Só desconstruindo o preconceito que nós absorvemos é que fica possível enfrentar o preconceito vindo de fora (que por sinal é bem cruel). Quando eu era adolescente acreditava mesmo que meu cabelo era duro e hoje acho inacreditável a maciez do meu cabelo, quando eu escovava/alisava ele era sim duro porque eu não podia passar uma escova para pentear que era surpreendida por milhares de toquinhos quebrados na roupa, no chão era muuuito cabelo quebrado mesmo, o que me leva a outra mentira sobre o meu cabelo pois eu acreditava que ele não crescia realmente, mas hoje tenho ciência de que ele crescia sim e por estar duro (rígido), mal tratado e seco ele quebrava assim não havia como perceber crescimento.

Este post corria sério risco de ficar imenso porque eu realmente tenho muito a dizer sobre isto, mas por hora é só! O que realmente precisa ser discutido e escancarado é que ao contrário do que a mídia de massa insiste em pregar, entrar em transição e assumir seu cabelo crespo não é uma "moda" ou uma "onda" entre as mulheres negras, isto é sim um ato político de afrontamento e resistência ao sistema de opressão a estética negra que está implantado a anos no nosso país!
Resistamos e sejamos fortes pois nós somos as referências que não tivemos quando éramos crianças. 
Abraços a todos e voltem sempre ao blog!

Um comentário:

  1. Muito linda sua história .Quando entrei em transição capilar também entrei em transição política.Descobri o feminismo negro e a luta das nossas mulheres por igualdade e direito de ostentar nossas características negras sem medo .

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