Escrever é um privilégio.
Ler e gostar de ler é um privilégio.
“A ambição é um privilégio.” (Clarice Guimarães)
E hoje nós precisamos e vamos falar sobre isto.
O racismo é uma ferramenta de poder que não foi criada pelos próprios oprimidos, embora os filósofos eventuais das redes sociais insistam em repetir esse discurso, batam na tecla de que “racismo está nos olhos de quem vê”. Mesmo que esse argumento não se sustente, ainda precisamos falar sobre as pessoas que acreditam que os subalternos se colocam neste lugar e não que são colocados. Quando somos falados pelo outro, geralmente o falado reflete o desejado por este outro. E é assim que estudiosos sobre a pobreza, que não são ou nem ao menos foram pobres um dia, teorizam sobre o que leva ou o que mantém os pobres onde estão.
Assim como o racismo a educação também é uma ferramenta de poder. Também usada para manutenção das relações, a educação enquanto ferramenta é usada para escolher quem vai e quem não vai acessar este ou aquele espaço. É básico: saber falar difícil te leva a certos lugares e te dá certas condições que não são dadas a quem não sabe. Assim como conhecer os mecanismos de certos grupos sociais pode te fazer entrar neste ou naquele local. Ao mesmo tempo, entender que isto é uma ferramenta também compõe um “privilégio”, que no caso das pessoas negras, por exemplo, pode ser apenas uma salvaguarda, mas, saber como e onde entrar a educação é uma forma de exercer poder sobre as camadas sociais.
Assim nós criamos a falsa ideia de que, pessoas que não acessam a educação não o fazem ou porque não querem ou porque são socialmente incapazes de se importar com isso de maneira autodeterminada. Certo? Não. Se a educação é uma ferramenta de poder, é impossível que o próprio oprimido esteja fazendo uso dela enquanto aparelho. Isto não faz nenhum sentido.
E é aí que o argumento dos filósofos virtuais, cai.
É possível acreditar que toda uma população que estivesse consciente do quanto a educação pode transformar sua realidade, pode tirá-los da condição de expectadores e levá-los ao lugar de roteiristas de suas próprias vidas, que poderia levá-los para frente, seria capaz de abrir mão deliberadamente disto? Repita em voz alta, se você soubesse que a educação é poder e fosse instruído de como ela pode te fazer avançar, você diria “não, obrigado, quero me manter aqui, pobre, resignado, submisso e fraco”? Você acredita mesmo nisto?
E é assim que os privilegiados fazem, dizem que “negros são maioria da população carcerária porque gostam de roubar”, ou que “são minoria na educação porque não gostam de estudar”, assim como já ouvi dizerem que mulheres negras “são minoria no mercado de casamentos porque não gostam de se casar”. Repito, é exatamente quando o teorizador privilegiado fala pelo oprimido que ele projeta nessa conclusão o esperado por ele, ou seja, a explicação mais óbvia para quem sempre teve acesso a informação e escolheu absorvê-la, é que todos os outros tiveram e escolheram não fazer, por isso não têm.
A educação para muitas pessoas não é uma escolha fácil, para outras ela não é sequer uma alternativa. Fazemos parte de uma sociedade capitalista e, como tal, é preciso ter pessoas específicas para cada setor desta sociedade, fazemos partes de uma engrenagem de uma coisa maior e a sociedade precisa continuar fabricando peças para todos os setores. É impossível manipular e “adestrar” pessoas basicamente educadas, é impossível pagar salários medíocres por trabalhos pesados se as pessoas que desempenham este trabalho forem educadas o suficiente para contestar esta lógica. Então, pense um pouco: Para quem interessa uma população não educada? Àqueles que trabalham dia e noite em trabalhos considerados subordinados e pesados, ou à quem precisa lucrar com aquela mão de obra barata? Não precisa ser um gênio para entender isto, mas, é preciso um repertório básico que nem todos tem. E é assim que a sociedade decide várias questões importantes, como por exemplo a criminalização do aborto, que atinge majoritariamente a população negra e pobre do Brasil. Não se educa sobre métodos contraceptivos, não se permite o aborto seguro e legal, depois criminaliza-se a saída desesperada das mulheres, pronto! Você tem uma fábrica de mais e mais pessoas que farão parte deste grupo que trabalha para sustentar a outra parte da história que não é criminalizada e muito menos presa por realizar um aborto, afinal, paga por ele.
Educação é um privilégio e nem o acesso a isto garante que vamos mudar as estruturas completamente, fato. Mas, pensar que quem não acessa escolhe simplesmente não o fazer é irresponsável. As perspectivas de vida dadas para certas camadas da sociedade são diferentes, elas servem ao interesse daqueles que detém o poder, como já disse anteriormente. E, não é porque nós tivemos algumas escolhas que todas as outras pessoas também tiveram.
Pessoas negras não tem privilégios sociais, mesmo quando têm acesso à educação. Para usufruir de privilégios numa sociedade racista, você precisa necessariamente não ser negro (ou indígena, no caso do Brasil). O que a pessoa negra adquire ao ter acesso à educação é um acesso, uma salvaguarda que não vai livrá-la de sofrer racismo, o espaço acadêmico está aí para nos provar isto, mas, vai dar acesso às ferramentas, conhecê-las ao menos para saber como são utilizadas enquanto instrumento de poder. E isto já pode ser alguma coisa.
LEITURA RECOMENDADA SOBRE O TEMA:
Pode o subalterno falar? Gayatri Chakravorty Spivak
O que é lugar de fala? Djamila Ribeiro
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