Precisamos parar de existir apenas em contraposição à existência do outro. Isto é urgente.
Quem cria "o outro" é quem o nomeia. Para explicar melhor, o "negro" só existe em contraposição ao "branco", isto está bem explicadinho em Fanon, em Pele Negra, Máscaras Brancas, dá uma lidinha neste clássico, com amor. Em África nós não éramos apenas os negros, eram os Bantus, Congoleses, Zulus, estávamos nos impérios de Gana, Mali, no Egito Antigo. Eram médicos, mestres, homens e mulheres, não apenas negros isto é uma invenção da branquitude, do colonialismo, da dominação, não nossa. E é exatamente por isto que é perigoso continuar existindo apenas dentro desta condição de oposição à este conceito criado pelo colonizador.
Mulheres e homens afro brasileiros são uma multiplicidade de seres. Assim como fomos no período pré-colonial, hoje somos médicos, professores, artistas, escritores, mães, avós, pais, reis, rainhas, pessoas de sorte. E podemos ser tudo isto sem o contraponto branco. Crítica da Razão Negra, livro de Achille Mbembe, discute a formação dessa identidade que surge em contraposição ao branco e busca exatamente resgatar os nossos próprios termos de comparação. Ou seja, é como dizer que nossas referências também podem ser negras, não existe aqui uma disputa ou uma intenção de ocupar o lugar do outro.
Esta semana, com o lançamento do feat desastroso de Mano Brown e Cléo Pires, surgiram vários comentários defendendo e acusando o cantor – como se coubesse algum tipo de acusação ao fucking Mano Brown – e um deles em particular me chamou atenção. A defesa se baseava em algo mais ou menos assim:
"Vocês estão bravos porque ela não escolheu um branquinho do olho azul pro clipe."
Minha gente, pelo amor de Oxalá.. Quem é que quer ocupar esse lugar!? Representatividade do que?
Participação de Mano Brown no clipe da Música "Melhor que eu" - Disponível no Youtube |
Comentários no mesmo sentido puderam ser lidos quando Flávio Renegado, Rapper de Belo Horizonte, colocou mulheres negras – conscientes e de maneira consentida – num clipe simulando sexo, na penumbra – eu odiei! Pronto, bastou isso para que os comentário de “defesa” se baseassem em: “Vocês estão achando ruim porque ele não colocou mulheres brancas do olho azul...”. Querida, eu não! Lembrando que o refrão da música trazia o “acabou o amor, agora é só luxúria”, basta dar uma olhada na carreira do rapper para sabermos onde cabe amor, não é mesmo?
Cena do clipe da música "Luxo Só" - Disponível no youtube |
Voltando as contraposições, esta é uma discussão cara e urgente, precisamos parar de existir apenas como contraponto de um outro ou outros. Quando procuramos em marcadores coloniais a nossa afirmação, a nossa existência, o nosso sucesso, não tem como dar certo, não tem como funcionar.
Pois procurar ser tão bom quanto – insira aqui pessoas que tem uma trajetória totalmente diferente da sua – não faz nenhum sentido, pois, parafraseando Fanon: nós não buscamos ocupar o outro lado, nós queremos destruir o outro lado, nós queremos que não haja lados e só então será possível discutir, só fora da situação colonial é que teremos condições de (re)existir.
Nós somos bonitos porque somos, porque basta olhar no espelho para ver o quanto nossos traços são maravilhosos. Nós somos fortes porque somos, porque basta ver que o mundo inteiro vem de nós. Nós somos inteligente porque somos, basta ver nossas contribuições para as ciências. Eu sou porque somos porque nós somos.
Nós somos diversos, plurais, múltiplos – sim, se repetir é necessário neste caso – podemos ser nossos próprios contrapontos. Já pensou nisto?
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