segunda-feira, 17 de julho de 2017

SE VOCÊ É NEGRO, PRECISA LER ESTE TEXTO: SER OU FAZER PARTE DE UMA MINORIA NÃO TE IMPEDE DE SER OPRESSOR


É muito difícil reconhecer privilégios, para uma população que tem pouco ou nenhum lugar de prestígio dentro da sociedade isto é uma tarefa muito difícil, mas, precisamos parar para pensar neste assunto.

Pessoas negras não tem lugar de privilégio na sociedade falando de maneira macro, institucional e de classe, mas, entre nós, é possível encontrar pessoas com mais ou menos prestígio social e que, vez ou outra, podem ser opressoras com minorias que estão dentro de minorias. Se não entendeu, eu explico! Pessoas negras não serão (tão cedo) padrão dentro da sociedade brasileira, pelo simples fato de sermos negras, mas, estar próximo ao que é considerado padrão, ou seja, branca, magra, heterossexual, cabelo “cacheado” comportado e que tenha os famosos “traços finos”, lhe confere algum destaque em relação a pessoas negras que não estão próximas deste ideal. Ser magra, de pele clara e heterossexual, por exemplo, te deixa bem à frente de pessoas gordas, negras de pele escura e homossexuais, deu para entender? E, quando alguém aponta isto, não está querendo dizer que você é privilegiado diante de toda uma sociedade que não te enxerga como portador de vantagem, mas sim, diante daquela outra pessoa que, mesmo também sendo negra como você, vai enfrentar outras opressões além do racismo. Entendeu?

No entanto, mesmo tendo isto claro nas nossas cabeças, não é tarefa fácil reconhecer isto e, mais ainda, se lembrar disto sempre na hora de falar sobre estes assuntos, já que a nossa reação enquanto integrantes de minorias sociais (e não estamos aqui falando de número de pessoas, sei bem que a população negra é a maior parte da sociedade brasileira) é, normalmente, se defender, tentar justificar ou mostrar logo quais e quantas são as opressões que nós sofremos diariamente. É importante ter em mente que este não é um concurso de “quem sofre mais”, “quem apanha mais” ou “quem é mais desprezado pela sociedade", nada disto, mas nós que não somos gordas, por exemplo, precisamos reconhecer que caso nós não tenhamos consciência do nosso lugar, nós também seremos uma fonte de sofrimento para as pessoas que já precisam aguentar todos os dias o massacre da sociedade. Se r gordo não é, necessariamente, uma doença e não vamos nem entrar no mérito de “saúde”, porque isto pode ser só uma desculpa para você esconder a sua gordofobia, você se preocupa tanto com a saúde dos outros, mas, quantos copos d’água bebe por dia? Fuma? Faz exercícios regulamente? Consome álcool com frequência? Isso tudo são comportamentos que, caso você seja magro, ninguém fiscaliza sob esta justificativa. Se a pessoa gorda se sente bem com o que ela é, que tal nós que não somos gordas, não normalizamos aqueles comentários como “eu acho você linda, mas eu não fico bem gorda” (você pode até achar isto, do fundo do seu coração, sem nenhuma maldade, mas, cá entre nós, qual a necessidade de falar isto para uma pessoa gorda?), “ai, como eu tô gorda” (isto depois de comer bastante numa festa e continuar enfiada no seu jeans 38), “nossa, viu como fulana está gorda... ” (como se isto fosse um defeito super relevante), entre outros comentários que nós, que não somos gordas, fazemos rotineiramente e sem pensar que isto incomoda as pessoas que são.

A mesma reflexão serve para as pessoas negras e de pele clara, sabemos muito bem que ser negro no Brasil é complicado, para TODAS AS PESSOAS NEGRAS independente do tom da pele, mas, é preciso reconhecer que a questão do racismo no Brasil é pigmentocrática e quanto mais escuro você é, mais racismo você sofre, já para as pessoas de pele clara, quanto maior for a sua passibilidade branca, maior a possibilidade de ser tolerada em alguns meios. Isto também vale para características físicas que não são negroides, lábios pequenos, nariz pequeno, testa menos protuberante e por aí vai... apontar este tipo de privilégio, como já dito neste texto, entre pessoas negras precisa ser visualizado e enxergado como um ponto a equilibrar e não uma disputa infundada de “quem sofre mais”, porque isto não contribui em nada no nosso crescimento enquanto povo.

Entender que nós, pessoas negras e heterossexuais, temos privilégios em relação as pessoas negras não-hétero, não é dizer que nossa vida é tranquila e sossegada nos nossos relacionamentos “normativos”, entendo bem que relacionamento entre pessoas negras não é “normativo” para uma sociedade racista, raramente nós somos a família representada no casal da propaganda de margarina. Mas, é preciso que reconheçamos que se estivermos dentro do esperado pela tradicional família brasileira (isto quando estamos num relacionamento, porque a solidão da mulher negra é um fato que não tem discussão), vai ser muito mais aceito um casal de homem e mulher cis de mãos dadas na rua, do que duas mulheres ou dois homens negros. Discursos como “já basta ser preto, ainda tem que ser viado”, é algo que nós que não assumimos relacionamentos homossexuais nunca vamos escutar. Sem falar é claro, dos homens negros gays que são sempre enquadrados em lugares que a hiperssexualização dos nossos corpos os coloca, os ativos, besuntados em óleo e prontos para serem o fetiche sexual de todos que quiserem, que é outro problema enfrentado pelos gays negros, segundo os relatos que escuto.

São muitas as particularidades que nós, pessoas negras, temos e não precisamos levar a discussão “para fora de nós”, fico pensando o quanto da desumanização restante da escravidão não permanece em nosso pensamento. Nós temos tantas facetas que nos diferenciam e, mesmo assim, continuamos comprando a ideia de que “preto é tudo igual”, não, não é, não somos todos iguais e o que nos diferencia é que nos faz especiais. E, principalmente, reconhecer que temos as nossas diferenças sabendo que isto não pode nos separar, mas sim nos tornar mais conscientes de como e porque devemos, ou não, dar aquele abraço ou aquele espaço ao outro. Negro não é tudo igual, pessoas não são todas iguais e nós precisamos saber como, quando e até onde vai nosso tratamento com o outro. Respeito é a base para qualquer relação, com qualquer outra raça, mas, foi tirado de nós esta humanidade e o cuidado com a outra pessoa negra acaba ficando em outro plano, ou pior, acaba não existindo, porque fomos ensinados pelo racismo que “negro é tudo a mesma coisa”.

Discutir não é sinônimo de brigar, discutir é debater determinado assunto para chegar, ou pelo menos tentar chegar há um consenso que seja bom para todos os lados e, neste caso, esta é uma discussão entre pretos, para pretos e que deve ter o propósito de crescimento, não ser mais um ponto de discordância que nos separe e fortaleça o macro opressor que temos em comum: o racismo.

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