Tereza de Benguela - Líder do Quilombo de Quariterê (Vale do Guaporé - MG) |
O imaginário do povo negro brasileiro está sendo, aos poucos, ressignificado, povoado e composto por histórias de representantes que vieram do nosso povo. Quando criança, aprendi que a bondade da princesa Isabel havia libertado os escravos, que eu mesma era descendente de escravos, que o povo negro só sabia reagir na base das revoltas, violência e selvageria, que para as mulheres negras era reservado o espaço de agressivas e raivosas dentro da sociedade e hoje, mesmo que aos poucos, já vejo alguma mudança no imaginário que estamos criando na mente das nossas crianças. Mas, vivemos numa sociedade em que o homem sempre é considerado figura central nos atos heroicos ou revolucionários e a outra parte desta ressignificação envolve trazer a tona a participação das mulheres negras na nossa história.
O dia 25 de julho foi instituído, primeiramente, como DIA INTERNACIONAL DA MULHER NEGRA, LATINO-AMERICANA E CARIBENHA, em 1992 durante o 1º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, em Santo Domingo, capital da República Dominicana e desde então a data vem sendo comemorada por atos em todo o mundo, onde a nossa força e resistência são contados, recontados, lembrados e transmitidos para as novas gerações. Como disse, na minha realidade é um pouco mais recente esta perspectiva de destacar boas ações, coletivas ou individuais, do povo negro, o primeiro encontro por exemplo, aconteceu há 25 anos e só recentemente tomei conhecimento de como foi instituída a data.
O que menos gente ainda conhece, é que no Brasil o dia 25 de julho tem um outro significado igualmente importante. Em 2014 o planalto sancionou a lei 12.987 que coloca nesta data a comemoração oficial do dia de Tereza Benguela e da Mulher negra¹, o texto foi feito pela então senadora Serys Slhessarenko, que justificou a proposta de criar a data como forma de entregar às mulheres negras do país mais uma referência de mulher, negra e da luta que foi ponto determinante nos rumos da nossa história.
Tereza de Benguela foi uma heroína negra que viveu no Mato Grosso, Vale do Guaporé, durante o século XVIII e, segundo os registros históricos que se tem da época, passou a liderar o quilombo Quariterê onde vivia, até então, sob o comando de seu esposo José Piolho, que foi morto por soldados, muito provavelmente durante a resistência. Os quilombos não eram, como muita gente costuma pensar, espaços onde apenas se escondiam escravos fugitivos, eram muito mais que isto, os quilombos eram comunidades com uma forte administração, divisão clara de tarefas e papéis de cada um que, sem toda uma organização não sobreviveriam tanto tempo. O quilombo Quariterê, comandado por Tereza Benguela, existiu, segundo as fontes, de 1730 até 1795, sessenta e cinco anos de resistência e, destes, 25 anos foram após a morte de nossa heroína. Tereza Benguela foi assassinada em 1770 (algumas fontes dizem que ela suicidou-se outras mostram uma doença como causa da morte), mas o quilombo resistiu sob sua liderança até ser atacado pelas tropas do então governador da capitania, Luís Pinto de Sousa Coutinho, que investia contra o quilombo ostensivamente enquanto foi administrador da região (1769-1772). As evidências de sobrevivência do quilombo após a morte de Tereza Benguela ainda são pouco discutidas por falta de documentação, mas, sabe-se que existem registros da coroa portuguesa citando o Quilombo de Quariterê (por vezes descrito como "Quilombo de Guaporé"), até por volta de 1793².
Tereza criou uma sofisticada organização para o Quilombo que, como já foi dito, contribuiu a para sua longa sobrevivência e importância na história do povo negro,
“Governava esse quilombo a modo de parlamento, tendo para o conselho uma casa destinada, para a qual, em dias assinalados de todas as semanas, entravam os deputados, sendo o de maior autoridade, tido por conselheiro, José Piolho, escravo da herança do defunto Antônio Pacheco de Morais. Isso faziam, tanto que eram chamados pela rainha, que era a que presidia e que naquele negral Senado se assentava, e se executavam à risca, sem apelação nem agravo” (Anal de Vila Bela do ano de 1770)³
Após a instituição, a data passou a ser lembrada e vivida no Brasil ainda com mais força do que diante da instituição lá de 1992, como um dia internacional, passando a ter um significado ainda mais forte e próximo para as mulheres negras e brasileiras.
No nosso país as mulheres negras recebem, em média, 1/2 do valor de salários recebidos pelas mulheres brancas e 1/4 dos valores de salários recebidos por homens brancos, na média geral do mercado, morrem numa proporção maior, sofrem mais abusos e estupros, proporcionalmente, são as maiores vítimas da violência obstétrica, além do racismo que nos abate todos os santos dias. Instituir e fazer lembrar nossos símbolos de resistência são um ponto chave para que a nossa auto-estima coletiva seja aos poucos recuperada.
A grande maioria da documentação histórica que retrata a história do povo negro brasileiro, no período escravocrata, ou é da igreja ou da metrópole, são fontes, também em sua maioria, escritas por pessoas brancas em situação de privilégio em relação aos negros (padres, reis, governadores, senhores de escravos), porém não podem ser desprezadas e dali podem sair grandes dados para nossa história, desde que lidas se lembrando de que o opressor sempre conta a história do ponto de vista que lhe trouxer maior vantagem.
² Fonte: Territórios quilombolas em linhas de fronteira: quilombolas do Forte Príncipe da Beira. Emmanuel de Almeida Farias Júnior. Disponível 1/7/2017 em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252013000100015&script=sci_arttext>
³ Fonte: Tereza de Benguela, uma heroína negra. Portal Geledés. Disponível 1/7/2017 em: <https://www.geledes.org.br/tereza-de-benguela-uma-heroina-negra/#gs.vWy3JuY>
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