Reportagem publicada no site "Varela Notícias" em 24 de fevereiro de 2014 | Link da Notícia |
Vários estereótipos acompanham homens e mulheres negras brasileiras, um deles e tão cruel quanto qualquer outro é o que trata do “cheiro” das pessoas negras. Não é difícil encontrar por aí pessoas que associam mal odores do corpo as pessoas negras, um exemplo de alguns anos atrás foi de uma participante do BBB14 que ainda tentou justificar como sendo uma expressão “comum” em sua cidade. Sim, o racismo é comum no Brasil, não temos dúvidas disto, mas o que também não pensamos é o quanto estes estereótipos mexem com as pessoas negras no geral.
Para além de todos os estragos físicos que o racismo tem feito conosco, o genocídio dos jovens e homens negros está aí estampado na nossa cara para não me deixar mentir, sequelas psicológicas vêm deixando marcas fortíssimas nas pessoas negras e precisamos urgentemente pensar no quanto isto é injusto e precisa ser freado. Além das mortes que a população negra precisa inevitavelmente superar, pois, “a vida continua” e geralmente as famílias negras precisam continuar existindo pelos que ficam, o racismo consegue mexer com aspectos pessoais que passam longe das sequelas que consideramos óbvias e inevitáveis diante das situações mais “visíveis” do racismo (mortes e violência policial, por exemplo), mas também aspectos íntimos, como nossa aparência pessoal, nosso cheiro, principalmente.
Imagine crescer e passar uma vida inteira ouvindo expressões como “fedendo a neguinha”, entre outras agressivas e que não precisam ser citadas aqui, e mesmo depois de crescidos, continuar ouvindo comentários de pessoas brancas associando pessoas negras ao mal cheiro, então, como confiar em si mesmo e não absorver esta “neura” para sua vida? Aí então começa a correria para perfumes em excesso, desodorantes em excesso e, no caso de nós mulheres, uma necessidade imensa de mudar o cheiro da própria vagina porque fomos ensinadas que o nosso cheiro “fede”. É preciso aqui fazer uma diferenciação, para aqueles que além de racistas beiram o analfabetismo funcional, não se tratar de gostar de estar cheiroso, quem não gosta? Estamos falando aqui de um sentimento que se cria nas pessoas negras que tem pavor de em algum momento da vida corresponderem a este estereótipo ligado normalmente as pessoas negras.
Todos os seres humanos estão sujeitos a exalar mau cheiro quando não cumpridas aquelas regrinhas básicas de higiene que nós, pessoas privilegiadas com água a vontade e chuveiros aquecidos em casa, fomos ensinados a cumprir. Isto quer dizer que a falta desta higiene pode levar a pessoas de QUALQUER COR OU RAÇA não terem um cheiro agradável, então, porque é que esta expressão está associada as pessoas negras? Segundo o site “ABC DA SAÚDE” o mau cheiro do corpo tem como principal responsável as glândulas apócrinas¹, encontradas nas axilas, por exemplo, que normalmente não excretam substâncias com mau cheiro, mas, a ação das bactérias em contato com o ar e o suor excretado provocariam o mau cheiro. Alguns fatores biológicos podem sim influenciar nessa produção, mas, também segundo o site, as etnias com mais glândulas deste tipo no corpo são a europeia e a africana, enquanto os povos amarelos e indígenas, menos. Então, se considerarmos os povos europeus como sua maioria branca, este estereótipo não deveria atingir também as pessoas brancas? Logo, só posso entender o racismo como fonte de embasamento para estes preconceitos.
A pergunta que sempre deve ser feita é: onde você guarda seu racismo? Se biologicamente pessoas de origem africana e européia estão em pé de igualdade na quantidade destas glândulas que PODEM (poder não significa necessariamente que vão) prejudicar o cheiro do corpo, porque é que estas expressões não afetam as pessoas brancas (de origem européia, por exemplo), somente as pessoas negras? E, não venham me dizer sobre as piadas dos perfumes franceses, não sejamos rasos nas discussões.
¹ GUENTHER VON EYE (Brasil). Cheiro de Corpo. 2017. Disponível em: <https://www.abcdasaude.com.br/medicina-interna/cheiro-de-corpo>. Acesso em: 26 nov. 2017.
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