O CASO RACHEL DOLEZAL - DOC NETFLIX - ABRIL 2018 |
Ao assistir ao documentário a primeira pergunta que parece inevitável de se fazer é: "E se eu, mulher negra, saísse por aí me declarando branca, onde eu estaria agora?" A resposta mais provável à minha realidade é: "Mais fácil estar sendo tratada como louca e desequilibrada, do que estrelando um longa na Netflix!"
Acaba de ser disponibilizado no catálogo da Netflix o filme sobre o - polêmico - caso de Rachel Dolezal, a mulher branca americana que se auto identifica como "transracial".
O longa resume a história de vida da mulher de 37 anos, confrontada pela mídia em 2015 com a pergunta: "Você é negra?", "Você é afro-americana?". Visivelmente desconcertada, Rachel fugiu da pergunta e a partir daí a polêmica tomou proporções inimagináveis.
O CASO RACHEL DOLEZAL - DOC NETFLIX - ABRIL 2018 |
Rachel Dolezal é mãe de três filhos (em 2015 tinha apenas dois filhos), e o documentário mostra a gestação e nascimento do terceiro bebê que, ao chegar, é identificado pela mãe como "negro e branco ao mesmo tempo". O documento de identificação étnico racial do recém-nascido é de preenchimento obrigatório nos EUA, o qual pode acarretar mais processos judiciais para Rachel, se considerado fraudado. O que pode acontecer se ela identificasse o bebê como "negro", mesmo sendo filho de uma mulher caucasiana. O pai do bebê é desconhecido e o pertencimento racial do homem não é definido no longa. Embora tenha sido questionada sobre isto, Rachel não falou sobre o assunto.
Ao longo do filme, é possível ver como a exposição deste caso, no mínimo bizarro, prejudica a vida dos filhos de Rachel. O mais velho, Izaiah, é um dos quatro filhos adotados pelos pais de Rachel quando ela ainda era adolescente, que depois teve a guarda transferida para ela. O filho do meio, Frankilin, é fruto do casamento entre Rachel e Kevin Moore, um homem negro. E portanto, Frankilin também é negro. Durante todo o documentário são expostos os ataques que os filhos de Rachel acabam sofrendo, de pessoas agressivas, principalmente através das redes sociais.
A infância de Rachel foi marcada por abusos sexuais cometidos pelo irmão mais velho (biológico). Depois, teve sua adolescência marcada por presenciar agressões de seus pais aos seus irmãos adotivos. Quatro crianças africanas por quem os pais adotivos acreditavam ser uma "missão divina" que eles cuidassem, de acordo com relatos da própria Rachel. Uma das irmãs de Rachel relata que os castigos físicos eram brutais e constantes, da infância até a adolescência. Inclusive, foi para Rachel que ela pediu ajuda para sair de casa quando teve a chance, para se livrar dos maus tratos cometidos pelo casal Dolezal.
Ao falar sobre o casamento com Kevin, Rachel diz que sente como se ele a "considerasse como um troféu", já que ele mesmo a via como branca e a teria deixado quando ela começou a "se vestir como negra".
Rachel foi uma importante liderança no movimento negro americano dentro da NAACP (National Association for the Advancement of Colored People, a Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor, em livre tradução), até começarem a duvidar das suas declarações (e de sua sanidade mental). Várias ações importantes para a comunidade negra foram encabeçadas por ela, até a reviravolta e a grande polêmica sobre o caso.
Embora Rachel só enxergue "boas intenções" em tudo que fez, o longa traz a voz de mulheres negras que trabalharam com Rachel e alguns questionamentos feitos por elas ficam martelando em nossas cabeças:
Se Rachel nunca disse nada de novo, sobre racismo e supremacia branca, porque então foi dada à ela a atenção que nunca antes fora dada a mulheres negras? Será então que se aproximaram das causas propostas, por ela ser uma "negra" que se aproximava dos brancos, mais que qualquer outro?
Vidas negras se perdem todos os dias e Rachel apoia seu argumento de que "é negra", porque "se sente como negra". E para materializar isso Rachel faz black face, usando uma maquiagem vários tons acima do seu tom de pele, bronzeamentos artificiais, além das várias perucas, apliques, tranças boxbraids e usa "roupas de negros", como ela mesma define. Enfim, Rachel afirma se sentir negra, porque faz "coisas de negros".
Cá entre nós, poderia haver justificativa mais estereotipada e racista do que essa?
Outro questionamento interessante ao longo do filme, que é simplesmente ignorado por Rachel para continuar afirmando sua "transracialidade", é:
O quão importante seriam as nossas vivências, dores, experiências, lutas, ancestralidade e origem. Quão importante é passar por tudo isso para só então ser considerado negro na sociedade estadunidense?
Rachel parece ter se apropriado da vivência de seus irmãos e filhos para tomar uma identidade que não é dela. E continua jurando de pés juntos que, para ser negra basta se sentir negra. Sabemos bem que na realidade isso não acontece.
Rachel, enquanto mulher branca, poderia ser muito mais útil a comunidade negra, principalmente entre seus pares, mostrando que o comportamento dos iguais a ela é extremamente nocivo para a comunidade negra. Mas, ela insiste todo o tempo que sua "identificação" é muito mais importante do que qualquer coisa que todos os negros tenham a dizer sobre isso.
O CASO RACHEL DOLEZAL - DOC NETFLIX - ABRIL 2018 |
"À ideia de raça sendo fluída, eu vou dizer não! E o motivo é porque que as pessoas ainda não entendem o privilégio branco. Se você cresceu com esse privilégio, ele não some naturalmente. Eu acredito que o que ela faz é uma fraude." Latoya Brackett, membro da NAACP.
O CASO RACHEL DOLEZAL - DOC NETFLIX - ABRIL 2018 |
"Transracial é o epítome [resumo da teoria] do privilégio branco. Se cada grupo étnico não pode fazer isto da mesma maneira e pode ser aceito dessa forma, então é um privilégio." Kitara Johnson, membro do NAACP.
Nada pode definir melhor "O Caso de Rachel Dolezal", do que privilégio branco. Acho inclusive que o caso dessa mulher possa ser usado como ilustração didática perfeita para a expressão. Uma vez que, como muito bem colocada por Kitara, nenhuma outra etnia tem o privilégio de estar autorizado a transitar entre as raças e transitar quando quiser.
Outro ponto colocado no documentário, que não abordarei por não ser meu local de fala - mas, aguardo ansiosamente pelo posicionamento das mulheres transsexuais - é a associação entre a transexualidade e a "transracialidade" de Rachel Dolezal. É um completo despropósito.
Em resumo, acredito que a situação seria facilmente resolvida se Rachel Dolezal abrisse mão da sua mentira e assumisse que não é preciso roubar um local de fala para apoiar uma minoria social. Rachel poderia se colocar como irmã de pessoas negras, como mãe de pessoas negras, mas, nunca como uma pessoa negra. Porque isso é algo que ela simplesmente não é.
Para assistir ao filme, basta (além de ter uma conta na Netflix, claro!) clicar neste link: https://goo.gl/WLwMTB.
Curti a crítica só vte o caso da Rachel. Fiquei muito mexida quando vi o filme... pensando justamente se eu quisesse virar branca .. só conheci um negro q conseguiu esse feito. Michael jJackso, que nunca saberemos como ele fez...rs
ResponderExcluirAcabei de ver e estou em choque por ver que apesar do sofrimento e desconforto dos filhos, ela nao abre mão da mentira e farsa que está em torno do comportamento escolhido por ela
ResponderExcluirAssisti o doc por uma curiosidade mórbida, mas parei no meio.
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