Resenha crítica apresentada ao curso de Literatura Afro Brasileira - Literafro, da formação transversal em Relações Étnico-raciais e História da África e Cultura Afro-brasileira¹.
Imagem de Pexels por Pixabay |
Eduardo Assis Duarte graduou-se em Letras pela UFMG em 1973, é mestre em Literatura Brasileira pela PUC do Rio de Janeiro e doutor em Teoria da Literatura e Literatura Comparada, pela USP desde 1991. Aposentado desde 2005, mantém vínculo voluntário com a UFMG, atuando como professor colaborador do Programa de Pós-graduação em Letras. Participa do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade - NEIA e coordena o Literafro Portal da Literatura Afro-brasileira.
O artigo Margens da história: a revisitação do passado na ficção afro-brasileira, que foi publicado em 2015 e hoje encontra-se disponível no portal Literafro, trata sobre a característica de discurso sociológico do romance afro-brasileiro, pensando na perspectiva política na qual estes autores estão inseridos.
A escrita literária afro-brasileira, ou mais recentemente “negro-brasileira”, é marcada pelo resgate de um passado que, para uma certa camada da nossa sociedade, já passou de fato. Mas que para aqueles que identificam o local da sua escrita como literatura negro-brasileira, esse passado ainda precisa ser discutido, revisitado e rememorado para ter uma espécie de solução ou o mais próximo disto. Este local da escrita da literatura afro-brasileira é também outro marcador importante na tarefa de descartar o mito da imparcialidade de quem escreve. Mito este que é geralmente invocado sob a justificativa - parcial - de que estas são questões identitárias, no entanto, Duarte fala da importância de debater estas questões, e é quando o romance ganha um viés de “documento sociológico” (Jean-Yves Mérian - 2000).
A memória é usada na literatura tanto como chave de leitura do público que encara esta obra, como na composição dos personagens e as narrativas de suas histórias. Memórias coletivas do povo são levadas em consideração
"O texto de Nei Lopes mescla falas e tempos distintos, num dialogismo entre passado e presente que dá ao conto ares de crônica histórica inusitada e plural."
A memória traumática de uma escravidão ainda que não vivenciada diretamente mas sentida graças aos elos atemporais que são construídos com seus semelhantes, o tal eu mais amplo (DUARTE, 2019) é uma construção que muitas vezes se dá através da escola e colegas de turma, desde a infância até adultos.
"À memória traumática da escravização acrescenta-se a da leitura enviesada produzida pelo discurso pedagógico, que faz da escola aparelho ideológico disseminador do racismo."
Este reconhecimento do seu semelhante na memória também é debatido pela autora Vilma Piedade em sua obra, Dororidade. Falando especificamente do Feminismo Negro a autora, fazendo uma referência a Sororidade, traz a discussão sobre como mulheres negras se reconhecem e se solidarizam a partir da dor.
Memórias de crueldade que estariam relegadas ao esquecimento ganham registros e forma, a partir da voz do lado “vencido” da história
"O texto se faz ainda com o depoimento dos pretos velhos, tornado causo e lembrado pelos mais jovens. Nestes momentos o tom sobe e a crueldade do passado aflora sem meias palavras."
Desta forma a história oral, que acaba não resistindo muito ao tempo, devido as suas limitações intrínsecas, acaba ganhando um registro bastante duradouro dentro destes romances históricos.
O autor também procura demonstrar as consequências de séculos de exploração, escravidão, racismo e violências várias,
"Suas atitudes resultam de um passado que não se restringe à individualidade. Remontam ao processo que atinge corpo e identidade negros submetidos ao rebaixamento histórico que os exclui dos padrões de beleza oriundos da branquitude."
Para Duarte a literatura afro-brasileira contribui para a humanização e a fuga dos estereótipos do negro,
"O tom anti-laudatório propicia, por outro lado, a recusa ao discurso da vitimização pura e simples do negro."
E demonstra que o que houve na verdade foi a desumanização de um sistema e não dos sujeitos que, embora violentados, continuavam sendo seres humanos, com seus defeitos e qualidades, seu lado bom e lado ruim, como todo ser social. Não ficando condicionados ao lugar de monstros, vítimas ou infans.
Estes são romances que ambientam e humanizam favelas, ocupações, morros, senzalas e espaços marginais da sociedade que são majoritariamente ocupados por pessoas negras, além de ser também um espaço para que aqueles que professam religião de matriz africana possam falar de sua fé sem estarem rodeados pelos estereótipos e sensacionalismos da escrita não-negra.
A literatura afro-brasileira é então um espaço político de afirmação, reafirmação, retorno e avanço ao mesmo tempo para os escritores que fazem parte desta comunidade, com um propósito real de resgate e registro de todos os aspectos que rodeiam a nossa população.
Humanizar é tirar o véu da colonização, ao escrever suas próprias histórias e memórias históricas, o literato afro-brasileiro insere sua obra num local de resistência política há um apagamento sistêmico ou o “memoricídio” da história desta parte da população.
¹ In: SISCAR, Marcos; NATALI, Marcos (Org.). Margens da democracia: a literatura e a questão da
diferença. Campinas, SP / São Paulo, SP: Editora da Unicamp / Editora da USP, 2015, p. 167-189.
¹ In: SISCAR, Marcos; NATALI, Marcos (Org.). Margens da democracia: a literatura e a questão da
diferença. Campinas, SP / São Paulo, SP: Editora da Unicamp / Editora da USP, 2015, p. 167-189.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DUARTE, Eduardo Assis. Margens da história: A revisitação do passado na ficção afro-brasileira. 2019. Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/literafro/artigos/artigos-teorico-conceituais/151-eduardo-de-assis-duarte-margens-da-historia>. Acesso em: 05 out. 2019.
FANON, Frantz. Guerra colonial e distúrbios mentais. In: FANON, Frantz. Os condenados da terra. Juiz de Fora: Editora Ufjf, 2015. Cap. 5. p. 285-358. Tradução de: Les damnés de la terre.
GONZALES, Lélia. RACISMO E SEXISMO NA CULTURA BRASILEIRA. Ciências Sociais Hoje: ANPOCS, São Paulo, v. 5, n. 8, p.223-244, nov. 1984. Anual. VII Encontro Anual da ANPOCS. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4584956/mod_resource/content/1/06%20-%20GONZALES%2C%20L%C3%A9lia%20-%20Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira%20%281%29.pdf>. Acesso em: 08 nov. 2019.
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