terça-feira, 27 de setembro de 2016

LEI 10.639/2003 - O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA É OBRIGATÓRIO NO BRASIL, VOCÊ SABIA?

Entrevista com a Secretária de Educação do Estado de Minas Gerais, Macaé dos Santos Evaristo, falando sobre assuntos pertinentes ao movimento negro, dentro do campo educacional.
Macaé Evaristo dos Santos - Secretária de Educação do Estado de Minas Gerais (Foto: Rosália Diogo)
A lei 10.639/2003 altera a Lei  9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. Isto passa a ser obrigatório, nas instituições de ensino fundamental e médio, sendo públicas ou particulares. Mas infelizmente, sob as mais infundadas justificativas inclusive religiosas, muitas das nossas instituições de ensino, não tem cumprido esta lei que é federal, ou seja, vale para todo o país.
Nesta entrevista feita no dia 24 de julho, tive a honra de conversar com Macaé Evaristo sobre diversos aspectos da lei, envolvendo sua aplicação, as dificuldades na implantação e a importância dela. Além é claro, de falarmos sobre a atual situação política do nosso país, dando destaque aos retrocessos na educação.

Sobre a Lei 10.639, para você, qual o significado dela dentro do movimento negro do Brasil?


"Primeiro eu acho que a lei é uma ação afirmativa curricular, ela é muito importante porque ela altera a lei de diretrizes e bases da educação, para incluir História e Cultura dos Africanos e dos Afro Brasileiros nos currículos escolares, eu entendo que a lei é um marco porque ela vai depois ter reflexo em várias outras normativas educacionais, inclusive na construção de diretrizes curriculares, para educação (dentro) das relações étnico-raciais, ensino de história e cultura africana e dos afro brasileiros. A lei também vai acabar abrindo e tornando visível, a necessidade de diretrizes específicas para tratar da educação das populações quilombolas, então digo que esta lei é um marco porque a partir dela vai ficar visível, o despreparo das nossas instituições de ensino superior responsáveis pela formação de professores, no cumprimento desta determinação, porque nós não tínhamos dentro das nossas instituições núcleos de pesquisas, de estudo, produção de materiais, para a formação de professores e que pudessem ser utilizados na educação básica. Cabe destacar que, no momento da homologação da lei, nós tínhamos no Brasil cinco centros de estudos africanos em universidades, mas estes centros estavam preocupados com outras áreas de conhecimento, pouco preocupados em pensar uma agenda curricular para a educação básica que incorporasse a produção africana das ciências, artes, literatura."

Além das mudanças operacionais, quais as mudanças estruturais que a Lei 10.639/2003, trouxe para o nosso sistema educacional?


"Após a lei o MEC vai construir alguns editais que vão ser muito importantes, vai construir um edital do Uniafro por exemplo, que vai favorecer que instituições superiores no país, possam  começar a constituir os seus primeiros núcleos de estudos africanos africanos, núcleos de ações afirmativas e núcleos que vão tratar a questão da juventude negra. Este edital do Uniafro, ajudou a instituir vários cursos de pós-graduação nesta área e serão destes cursos, que depois nós teremos aí os nossos primeiros mestres e doutores que vão trabalhar toda esta agenda. O cenário hoje, treze anos depois da lei, é muito distinto do que nós tínhamos em 2003, tanto no que diz respeito à profissionais com formação necessária para formar professores na educação superior mas também, na educação básica, a questão do material didático eu posso dizer isto, porque em 2004 eu coordenava a área de política educacional de Belo Horizonte, nós fizemos o primeiro edital para aquisição de livros em cumprimento à lei, foi um kit de literatura afro brasileira e naquele momento nós conseguimos comprar 56 obras sobre o tema, mesmo assim muitas das obras tinham 30, 40 anos, não tinhamos um recente de publicações nesta temática, dois anos depois, quando fomos fazer o segundo kit  nós já recebemos mais de 100 títulos, então foi muito importante essa agenda, o mercado editorial captou rapidamente e abriu portas para uma literatura africana e afrobrasileira, assim como abriu campo também para uma maior conexão da literatura dos escritores brasileiros com escritores dos países africanos de língua portuguesa, cada vez ampliando mais para todo o continente africano. "

Muitos atribuem à falta de qualificação dos professores, a dificuldade em se encontrar profissionais que consigam ajudar a escola no cumprimento da lei. Outros porém, atribuem a falta de material didático. O que percebemos claramente, é um "jogo de empurra-empurra" na hora de explicar porque não se cumpre às determinações nas escolas. À que devemos atribuir esta dificuldade?


"A parte de materiais, eu falo que eu adoro principalmente literatura infantil, é uma coisa que sempre consternava quando você ia trabalhar com crianças,  é que você não tinha um material que apresentasse a população negra de uma maneira afirmativa, como reis e rainhas, para que ela (a criança) gostasse de se ver naquela obra. Hoje nós temos inúmeras , hoje não é porque não temos material, a dificuldade de fazermos isto na escola não é pela falta de material ou não ter a formação de professores (é claro que a gente precisa fazer muito mais), é preciso nós entendermos que como uma ação afirmativa, esta lei atua fazendo uma “disputa” de concepção, então a escola assim como a sociedade brasileira, ela também é racista e, nós vamos enfrentar isso. "

Como pais e outros membros da comunidade escolar, podem enfrentar e denunciar, casos de descumprimento da lei dentro das instituições?


"Mas, como enfrentar? Eu acredito que hoje, nós temos mecanismos como, procurar a secretaria de educação, procurar o ministério público, nós temos ouvidorias na área de educação, as pessoas devem procurar, as famílias devem atuar e entender que quando nós estamos falando de um ensino de história, cultura dos africanos e dos afro brasileiros, não estamos falando de proselitismo religioso, porque eu também defendo o estado laico, cada pessoa ou família escolhe a sua crença, a sua fé, o seu sagrado, não cabe a escola ter nenhum tipo de influência nesta área, agora, traduzir a cultura, a memória, a produção cultural e científica dos africanos, a uma ideia de religião, também é uma forma de opressão, também é uma forma de desconstrução (negativa), eu acho que quanto a isto a gente precisa estar atento e forte, denunciar e agir."

Estamos vivendo em nosso país, um momento grave e de muitos golpes também contra a educação. Escola sem partido, propostas de alterações nos currículos escolares, flexibilizações que prejudicarão os docentes e os discentes. Qual a sua visão sobre isto?

"Eu acho que nós estamos neste momento, um momento grave, esta repressão ela vem de diferentes formas. Eu quero falar do “A escola sem Partido”, eu acho que é muito grave isto, isto é quebrar a constituição de 88, é quebrar a nossa lei de diretrizes e bases da educação nacional, onde diz da liberdade de aprender, de ensinar, da pesquisa, ou seja, da liberdade de docência. Isto é muito grave, porque um estado que concebe, que cinco famílias podem ser proprietárias dos maiores veículos de comunicação, que disputam visão de mundo e concepção e quando se faz qualquer coisa contra esses grupos midiáticos, as pessoas falam que nós estamos batendo na liberdade de expressão, mas as pessoas não tem nenhum pudor, de bater na liberdade de docência. Eu acredito, na educação brasileira, na escola pública, acredito nos educadores e nós não vamos nos calar. A docência ela precisa ser livre, porque isto é uma marca de uma sociedade democrática, não existe democracia, sem liberdade de pensamento. "

Macaé Evaristo, também falou ao blog Na Veia da Nêga, sobre sua trajetória acadêmica e, os desafios que ainda não conseguimos superar na educação da população Afro brasileira. CONTINUAR LENDO...

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